Por Carlos Edu Bernardes:
Difícil classificar um show de Sir Paul McCartney. Todos eles nos levam a estados oníricos. Somos tomados de extremo bem-estar. Irradiamos a certeza de não termos desperdiçado nossa paixão, nosso amor, com algo que não fosse encantador, universal, atemporal.
No domingo passado, 23 de novembro de 2014, em Brasília, o encanto se repetiu. E nós, pela quinta vez em shows de Paul no Brasil, estivemos lá.
A chuva castigou o dia todo, uma garoa insistente e fria, a começar pelos duzentos e poucos quilômetros que separam Goiânia de Brasília. Mas ela não foi o bastante para que viventes, felizardos, picados pela magia beatle, desistissem da aguardada empreitada.
O estádio Mané Garrincha é bem ao estilo de um ginásio. Suas arquibancadas, quase paredes de um copo, não são lá a estrutura que permita uma fácil locomoção e conforto. Funcional, mas exigente quanto a uma boa forma física (ou juventude), e quanto a uma certa resignação de sardinha na lata, para acomodação e curtição do espetáculo em questão. Ainda bem que, neste caso, não era simplesmente um espetáculo, era um show de Paul McCartney.
Isto posto, o resto foi deixar o dia-a-dia nos portões do estádio e absorver, límpidos receptáculos, a magia que inevitavelmente exalará de um palco onde Paul estará.
E com referências a todo o universo beatle - explosão perene que ilumina e colore o mundo há várias décadas -, damos de cara com James Paul McCartney e a sua (de certa maneira quase nossa também) história.
Jovial, pois 72 anos, para quem faz o que gosta com competência, dedicação e arte aliados à maestria em semear seu ofício, são como ausentar o corpo e a mente das ações do tempo. Político honesto - sim, nesse caso é possível -, perfeccionista, bem-humorado e atencioso, ele nos faz descobrir, logo nos primeiros acordes, o porquê da sua benção em ser o porta-voz de uma geração na qual all you need is love. Ele nasceu para isto.
E então 46 mil pessoas, de todas as faixas etárias, puderam se emocionar e cantar junto dele. Alguns relembrando momentos com olhos marejados - porém brilhantes -, outros prontos para embeber o espírito com o espanto de canções certeiras e cativantes, impossíveis de, agora em diante, serem esquecidas. Tatuagens gêmeas da pele.
Ouvir Hey Jude novecentas mil vezes, ou mais, é recarregar o refil da saúde do coração.
E comprova-se mais uma vez: tudo que tem por base coisas essenciais - quase que esquecidas pelo mundo contemporâneo -, como a sinceridade, respeito, criatividade, enaltecimento das relações humanas e a música - na sua mais cativante construção e mensagem - jamais serão algo da moda ou passageiras.
Por isso, não é difícil imaginar qual é a minha trilha sonora e a dos meus filhos. Quem pode duvidar da alegria da minha neta, de um ano e sete meses, ao cantar comigo Love Me Do todos os domingos?
Mané Garrincha escreveu o futebol com as pernas tortas. Paul McCartney, domingo passado, continuou a escrever a música com a mão esquerda. Saímos de lá com os olhos vidrados.
Ademais, quem quer ser admirado veste roupa fina e de grife. Quem quer ser amado veste uma camiseta dos Beatles.
E gravamos Golden Slumbers / Carry That Weight e The End. Enjoy!