O blog está de luto.
Morreu um dos maiores artistas pop de todos os tempos.
Como falar de Michael Jackson sem cometer algum delito? Quem somos nós para julgar uma pessoa que desde a tenra idade mostrou-se inclusa no mais autêntico showbiz da Terra? Que preço ela pagou? Em qual ambiente cresceu e quais indeléveis marcas recebeu nos seus cinquenta anos e poucos meses de vida?
Aliás, ele fez coisas erradas? Sim. Quem não faz? Mas sua história há de suplantar grande parte delas, em energia e dedicação, deixando evidente o lugar que queria ocupar entre nós. Num palco eu não me recordo de alguém tão seguro, tão feliz, tão entregue à arte que acreditava. Talvez Elvis, numa época um tanto quanto distante, tenha apostado na irreverência isenta de pecado. É condenador tentar destruir paradigmas?
Michael absorveu isso tudo, em grande parte de maneira nata, e transformou suas performances em algo claro, em algo que o mundo precisava assistir. E o mundo ficou de queixo caído.
Poderia ser diferente? Sim. Poderia. Mas os destinos de seres humanos inigualáveis não poderão ser explicados tão facilmente... Aliás, qual é o destino correto de alguém?
O texto que recebi hoje de um artigo de Reinaldo Azevedo merece continuar nosso papo que circula entre o triste e o sublime:
AS PARCAS
Reinaldo Azevedo
Michael Jackson
Perguntam-me se não vou escrever nada sobre a morte de Michael Jackson. Música pop não é exatamente a praia em que ando com mais desenvoltura. Até onde acompanhava, esse rapaz teve a sua fase de ouro. Era, no gênero, talentoso, criativo, ousado. Mas é possível que tenha se deixado trair pelo mais perigoso de todos os demônios da legião que nos tenta todas as horas do dia: aquele que nos sopra aos ouvidos que nossas qualidades derivam de nossos defeitos; sem estes, não teríamos aquelas. É uma das farsas grotescas do diabo. Os defeitos, é claro, são só o que nos atrapalha.
A partir de um momento de sua trajetória, Jackson parecia mais livre do que todos nós, a tal ponto que resolveu recriar a própria imagem. Pensem um pouco. É o espelho que, no dia a dia, recolhe os nossos cacos e os cola numa inteireza: “Este é você”, ele nos diz. Olhando-nos, podemos ver a nossa própria consciência, as dores que só nos conhecemos, os medos que não confessamos. Está tudo lá. Diante de nossa própria figura, na solidão, o coração pode, então, como num soneto antigo, estampar-se no rosto. Não há plástica ou cosmética que possam nos livrar de nós mesmos.
Refugiado em Neverland, Jackson quis ser “Outro”, dissociando o que ele realmente era daquele que ele via. O que o espelho nos mostra de mais importante não são, pois, nossas rugas, nossos cabelos brancos, nossos quilos a mais ou a menos. Dia após dia, ele resume a nossa vida. Vemos, parafraseando Drummond, o queixo de nosso pai no nosso queixo; marcas da família desenhando nossa idade madura e nos acenando com a velhice — vislumbramos o nosso queixo no queixo de nossos filhos: sobreviveremos. Justificamo-nos, enfim, diante dele, tentando, à saída, uma última conciliação: quem sabe ele nos perdoe e nos diga um “Siga adiante”. E ele costuma dizer. E só por isso tocamos o barco.
Como era com Jackson? Pouco importa a causa imediata de sua morte, o que se viu foi um dos suicídios mais lentos do showbiz, área em que ou se desaparece muito cedo, como a evocar a máxima de que “morre cedo o que os deuses amam”, ou se entra em decadência, com o esquecimento e a irrelevância cortejando a estrela. Ele ainda tentava mudar a escrita do destino, buscando um renascimento com shows na Inglaterra. Não houve tempo. Os deuses roubam quando dão. E o mais perverso de todos os novos deuses olímpicos é a fama. Jackson foi eliminando progressivamente a memória de si mesmo, ficando sem passado. E, à medida que mergulhava sabe-se lá em que doença do espírito, tinha menos o que dizer para o futuro. O garoto genial (para o gênero ao menos) de Thriller era uma carcaça. Jackson, morto em vida, estava oco de si mesmo. Aquele do espelho não era ele, mas também não era ninguém. De fato, havia morrido fazia tempo. Seu sofrimento não deve ter sido pequeno.
Algo em nós se perde quando se vão os ídolos de uma época, ainda que não nos dissessem grande coisa. Farrah Fawcett — convenham: era a única “Pantera” com a qual realmente nos importávamos, ao menos os garotos — também morreu nesta quinta. A figura, antes exuberante, lutava contra um câncer e estava afastada do mundo das celebridades. Por que de algum modo isso nos comove ou, ao menos nos constrange, trazendo-nos desconforto?
Porque eram do nosso tempo, e sabemos que as três Parcas que zelaram pelo destino deles também zelam pelo nosso. Não param de fiar. Dia e noite. Noite e dia. Lá está Cloto, fazendo girar o fio do destino dos homens, cuidando de uma roca que desce do céu. Com as vestes semeadas de estrelas, Láquesis põe o fio no fuso, até que chega Átropos, com sua vestimenta negra, e pimba! Corta-o. Inapelavelmente. Alguns intérpretes da Mitologia Grega as querem filhas da Necessidade e do Destino. E têm a idade da Noite, do Céu e da Terra. Para sempre.
Morreu um dos maiores artistas pop de todos os tempos.
Como falar de Michael Jackson sem cometer algum delito? Quem somos nós para julgar uma pessoa que desde a tenra idade mostrou-se inclusa no mais autêntico showbiz da Terra? Que preço ela pagou? Em qual ambiente cresceu e quais indeléveis marcas recebeu nos seus cinquenta anos e poucos meses de vida?
Aliás, ele fez coisas erradas? Sim. Quem não faz? Mas sua história há de suplantar grande parte delas, em energia e dedicação, deixando evidente o lugar que queria ocupar entre nós. Num palco eu não me recordo de alguém tão seguro, tão feliz, tão entregue à arte que acreditava. Talvez Elvis, numa época um tanto quanto distante, tenha apostado na irreverência isenta de pecado. É condenador tentar destruir paradigmas?
Michael absorveu isso tudo, em grande parte de maneira nata, e transformou suas performances em algo claro, em algo que o mundo precisava assistir. E o mundo ficou de queixo caído.
Poderia ser diferente? Sim. Poderia. Mas os destinos de seres humanos inigualáveis não poderão ser explicados tão facilmente... Aliás, qual é o destino correto de alguém?
O texto que recebi hoje de um artigo de Reinaldo Azevedo merece continuar nosso papo que circula entre o triste e o sublime:
AS PARCAS
Reinaldo Azevedo
Michael Jackson
Perguntam-me se não vou escrever nada sobre a morte de Michael Jackson. Música pop não é exatamente a praia em que ando com mais desenvoltura. Até onde acompanhava, esse rapaz teve a sua fase de ouro. Era, no gênero, talentoso, criativo, ousado. Mas é possível que tenha se deixado trair pelo mais perigoso de todos os demônios da legião que nos tenta todas as horas do dia: aquele que nos sopra aos ouvidos que nossas qualidades derivam de nossos defeitos; sem estes, não teríamos aquelas. É uma das farsas grotescas do diabo. Os defeitos, é claro, são só o que nos atrapalha.
A partir de um momento de sua trajetória, Jackson parecia mais livre do que todos nós, a tal ponto que resolveu recriar a própria imagem. Pensem um pouco. É o espelho que, no dia a dia, recolhe os nossos cacos e os cola numa inteireza: “Este é você”, ele nos diz. Olhando-nos, podemos ver a nossa própria consciência, as dores que só nos conhecemos, os medos que não confessamos. Está tudo lá. Diante de nossa própria figura, na solidão, o coração pode, então, como num soneto antigo, estampar-se no rosto. Não há plástica ou cosmética que possam nos livrar de nós mesmos.
Refugiado em Neverland, Jackson quis ser “Outro”, dissociando o que ele realmente era daquele que ele via. O que o espelho nos mostra de mais importante não são, pois, nossas rugas, nossos cabelos brancos, nossos quilos a mais ou a menos. Dia após dia, ele resume a nossa vida. Vemos, parafraseando Drummond, o queixo de nosso pai no nosso queixo; marcas da família desenhando nossa idade madura e nos acenando com a velhice — vislumbramos o nosso queixo no queixo de nossos filhos: sobreviveremos. Justificamo-nos, enfim, diante dele, tentando, à saída, uma última conciliação: quem sabe ele nos perdoe e nos diga um “Siga adiante”. E ele costuma dizer. E só por isso tocamos o barco.
Como era com Jackson? Pouco importa a causa imediata de sua morte, o que se viu foi um dos suicídios mais lentos do showbiz, área em que ou se desaparece muito cedo, como a evocar a máxima de que “morre cedo o que os deuses amam”, ou se entra em decadência, com o esquecimento e a irrelevância cortejando a estrela. Ele ainda tentava mudar a escrita do destino, buscando um renascimento com shows na Inglaterra. Não houve tempo. Os deuses roubam quando dão. E o mais perverso de todos os novos deuses olímpicos é a fama. Jackson foi eliminando progressivamente a memória de si mesmo, ficando sem passado. E, à medida que mergulhava sabe-se lá em que doença do espírito, tinha menos o que dizer para o futuro. O garoto genial (para o gênero ao menos) de Thriller era uma carcaça. Jackson, morto em vida, estava oco de si mesmo. Aquele do espelho não era ele, mas também não era ninguém. De fato, havia morrido fazia tempo. Seu sofrimento não deve ter sido pequeno.
Algo em nós se perde quando se vão os ídolos de uma época, ainda que não nos dissessem grande coisa. Farrah Fawcett — convenham: era a única “Pantera” com a qual realmente nos importávamos, ao menos os garotos — também morreu nesta quinta. A figura, antes exuberante, lutava contra um câncer e estava afastada do mundo das celebridades. Por que de algum modo isso nos comove ou, ao menos nos constrange, trazendo-nos desconforto?
Porque eram do nosso tempo, e sabemos que as três Parcas que zelaram pelo destino deles também zelam pelo nosso. Não param de fiar. Dia e noite. Noite e dia. Lá está Cloto, fazendo girar o fio do destino dos homens, cuidando de uma roca que desce do céu. Com as vestes semeadas de estrelas, Láquesis põe o fio no fuso, até que chega Átropos, com sua vestimenta negra, e pimba! Corta-o. Inapelavelmente. Alguns intérpretes da Mitologia Grega as querem filhas da Necessidade e do Destino. E têm a idade da Noite, do Céu e da Terra. Para sempre.
Farrah Fawcett: Playboy de 1978
Criamos muita desgraça, mas também muita beleza tentando, inutilmente, dar um truque nas Parcas. Mas elas nos acham. Nesta quinta, Cloto se encarregou de Michael Jackson e Farrah Fawcett. Um dia achará o nosso fio.
É isso.
E o blog, em homenagem a esse ser tão especial, contrariando sua sistemática de postar na sua maioria outtakes, traz para você hoje, com olhos marejados, uma gravação lançada no álbum de 1983 de Paul, o Pipes of Peace, chamada The Man. Michael e Paul cantam.
God bless you, Michael! We love you! It's true! Listen!
The Man (released)